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E as sapas não-mono?

Pensamentos sobre monogamia, não-monogamia política e lesbianidades.

Ao analisarmos a monogamia como estrutura, falamos diretamente do processo de dominação do homem sobre a mulher através do direito e sentimento de posse. Não tem como falar de monogamia sem falar da divisão sexual do trabalho, do reforço e manutenção dos estereótipos de gênero e da heterosexualidade compulsória. Entendemos a estrutura monogâmica como cis-heteropatriarcal, e por isso, LGBTfóbica em si. Como então a estrutura monogâmica atua de forma nociva em relações lésbicas? Como ela contribui para o apagamento e invisibilização dessas relações? E então, como uma não-monogamia política pode contribuir para construção de relações lésbicas autônomas e saudáveis?

Aqui no Brasil, o mês da visibilidade lésbica acontece em Agosto, por causa de duas datas importantes para o movimento lésbico brasileiro. Dia 19 de agosto é comemorado o dia do Orgulho Lésbico, em memória da primeira grande manifestação de mulheres lésbicas aqui no Brasil. Em 1983, ativistas lésbicas do Grupo de Ações Lésbica Feminista (GALF) ocuparam o Ferro’s Bar, protestando contra abusos e preconceitos vivenciados no espaço. Apesar de ser lugar de encontro de pessoas LGBT, para performances e divulgação de trabalho, a organização do espaço decidiu proibir a distribuição do boletim “Chanacomchana”, expulsando as autoras do local. As ativistas do GALF então ocuparam o espaço e conseguiram a garantia de que poderiam distribuir o boletim. A data, 19 de agosto, ficou conhecida como “Stonewall Brasileiro”. Já o dia 29 de agosto marca a comemoração do dia Nacional da Visibilidade Lésbica, em referência à realização do I Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE, atualmente SENALESBI — Seminário Nacional de Lésbicas e mulheres Bissexuais) realizado no Rio de Janeiro, em 1996.

Mulheres lésbicas são frequentemente induzidas a viverem relações semelhantes ao modelo padronizado, heterossexual e monogâmico, mesmo quando assumem publicamente suas sexualidades. Por exemplo, o esforço feito pela sociedade para definir nas relações entre mulheres qual delas deve fazer o papel de homem e qual deve fazer o papel de mulher, ajustando essa pressão de acordo com a performance ou não da feminilidade imposta, demonstra que, mesmo fugindo da hetossexualidade compulsória, lésbicas são pressionadas para chegar o mais perto possível das relações modelo, quanto mais próxima destas a relação entre mulheres estiver, talvez menos questionada será.

E nessa padronização das relações entre mulheres, com a que supostamente faz o papel de homem e a que faz o papel de mulher, é possível observar, sem muitos esforços, a presença da estrutura Monogâmica. Essa estrutura de opressão cis-heteronormativa que, além de tudo, contribui para as causas do feminicídio, é levada para as relações entre mulheres e, obviamente, também traz grandes prejuízos. E esses prejuízos não partem necessariamente da exclusividade da relação por si só, o grande problema é que essa exclusividade é moldada a partir de uma estrutura pensada para privilegiar homens cis hererossexuais e, mesmo assim, prejudica esses indivíduos, quem dirá quem foge desse padrão.

Pensar em não-monogamia política para a vida de mulheres que se relacionam com mulheres é entender que o modelo imposto não cabe na existência dessas pessoas. Diariamente a comunidade lésbica é prejudicada por tentar se encaixar no que não foi pensado pra ela, quando traria muito mais benefícios pensar relações, todas elas, politicamente. É muito comum que, após assumir sua sexualidade, a mulher lésbica, assim como outras pessoas LGBTQIA+, tenha que sair da casa de sua família e, felizmente, às vezes encontra outras sapatonas que a acolhem, criando uma comunidade de apoio e afeto. Só que essa comunidade pode deixar de existir, ou melhor, a mulher se afasta dela, quando entra em uma relação monogâmica e trata aquela relação como se fosse tudo que importa na vida, se afastando de outras pessoas, e dos apoios e afetos que estas podem proporcionar. E pior, muitas vezes a relação termina, e essa mulher se vê sem as outras companheiras de vida, precisando recomeçar o processo de se adequar em um grupo, e isso pode se tornar um ciclo, já que a relação monogâmica é vista como prioridade e todas as outras relações são apenas temporárias, mantidas até que se encontre a tal princesa encantada, como se os contos de fada tivessem sido pensados para mulheres que se relacionam com mulheres.

Existem diversas outras consequências da monogamia enquanto estrutura nas relações experienciadas por mulheres lésbicas, mas consideramos importante deixar essa reflexão aqui, o quanto mulheres que se relacionam com mulheres estão perdendo ao tentar se encaixar na monogamia, ao invés de começar a pensar e viver em comunidade, tratando todas as envolvidas como importantes, deixando de lado as hierarquias típicas das relações monogâmicas.

Pensar lesbianidade de maneira não-monogâmica e política também é pensar em comunidades lésbicas que proporcionem apoio e afeto, de maneira que todas as envolvidas sejam tratadas como seres humanos que merecem respeito, afeto, cuidado etc. e não como se fossem objetos ou como se existissem apenas para suprir necessidades temporárias que supostamente serão melhor preenchidas em relações monogâmicas.

Referências:

“Considerações Narrativas sobre as vivências afetivo-sexuais entre Lésbicas e suas relações com os mitos e estereótipos a respeito da Lesbianidade.” Lívia Gonçalves Toledo

“Contra-amor, poliamor, relaciones abiertas y sexo casual: reflexiones de lesbianas del Abya Yala.” Org. Norma Mogrovejo. Resenha por Ariana Mara da Silva

https://oglobo.globo.com/celina/dia-do-orgulho-lesbico-entenda-por-que-data-necessaria-1-23910817

http://normamogrovejo.blogspot.com/

Texto por Luciene Santos, Nana Miranda, Newton Jr e Simone Bispo. Luciene Santos, 25 anos, mora no Jaraguá SP. É estudante de Direito e ativista afrovegana. Fala de Veganismo Popular e antirracista nas redes sociais como @sapavegana.

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