Textos

Encontros e despedidas

Sobre términos, fechamento de ciclos e ressignificação

Em uma sociedade estruturada na monogamia e tendo o mito do amor romântico como orientador na construção dessas relações, a expectativa é que passemos por uma escalada relacional que, quando bem sucedida, culmina na criação de uma família, a “célula base” da nossa sociedade. Porém, nem todas as relações chegam ao ponto máximo dessa escalada. Por vezes esse processo é interrompido e com isso temos os términos. Como essas relações românticas são centrais na vida da maioria, esses términos costumam gerar muito sofrimento. Como pensar essas questões então a partir da Não-monogamia Política?

A expectativa da maioria é de que as relações não terminem. E isso não é à toa. A monogamia cristã tem por princípio estruturante a ideia de indissolubilidade das relações. Por serem relações abençoadas, elas não deveriam ser desfeitas. Essa ideia norteou o ordenamento jurídico de nosso país, tendo o divórcio sido oficialmente instituído apenas em 1977. O mito do amor romântico também promete que o encontro singular com sua “alma-gêmea”, sua “metade da laranja”, vai levar a uma relação que supera todos os obstáculos e não se separa mais.

Apesar dessas expectativas, os términos são uma realidade. Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, em 2020 foram realizados 76.175 divórcios. O período do pós-término é muitas vezes difícil. Raiva, tristeza, angústia, luto e até mesmo depressão são efeitos comuns observados. Por vezes os términos potencializam questões já presentes. Por existir uma idealização dessas relações, o fim das mesmas gera frustração que ocasionalmente s não é bem trabalhada. Tais situações podem comprometer a saúde física e psicológica de quem as vive.

Contudo, sabemos que isso também tem a ver com o mito do amor romântico ser usado como produto, vendendo essas idealizações e projeções que não se sustentam na realidade. Tudo a todo instante muda. As pessoas, seus planos e desejos. E eventualmente isso significa encarar que precisamos seguir caminhos diferentes. Para tal entendimento é importante um amadurecimento emocional, que passa por identificar que as promessas do amor romântico são irreais. Bem como questionar a própria estrutura monogâmica e como ela organiza nossas relações.

A ideia do término nas relações monogâmicas têm a ver com encerrar a responsabilidade que se tinha com a outra pessoa. Finalizar os acordos ditos e não ditos e às vezes também interromper qualquer contato com a outra pessoa. Mas, pensando a partir de uma Não-monogamia Política, essas questões fazem sentido? Importante frisar que relações abusivas são uma questão à parte e em determinadas situações é essencial que a pessoa abusada se afaste totalmente para que possa vivenciar seus processos de cura, e também ter forças para denunciar as violências que sofreu. Mas e nos outros casos, como fica?

Uma das bases do pensamento da Não-monogamia Política é a autonomia. Ela se constrói na responsabilidade coletiva. Quando escolhemos essa posição contra-hegemônica, passamos a vivenciar diversos processos. E com isso mudamos, constantemente. Essas mudanças podem significam desencontros com as expectativas e planos das pessoas que nós amamos. Mas esses desencontros não precisam significar um término, um fim. As relações podem ser ressignificadas. Se antes a relação tinha sexo, ela pode deixar de ter mas continuar sendo signficativa e íntima. Se antes as pessoas coabitavam, pode-se decidir que cada uma vai para um lugar diferente, mas o amor se mantém.

Aceitar essa fluidez faz parte desse amadurecimento emocional. Faz parte de entender a pluralidade nas nossas possibilidades relacionais. Essa ressignificação tem a ver justamente com a busca por não hierarquizar as relações e valorizar cada vínculo a partir de suas particularidades. Entender que nós estamos nesse movimento constante de mudanças é entender que nossas relações também são assim e que às vezes é necessário fechar determinados ciclos para nos abrir para novas vivências.

Para viabilizar todos esses processos, o acompanhamento junto a profissionais da área da saúde mental sensíveis aos temas das não-monogamias, traz grande ajuda e alívio. Os processos terapêuticos que acontecem também em espaços de trocas são de grande ajuda. Essa é uma das potências de se ter uma rede de apoio e afeto que nos dá força nesses processos. Por isso que o projeto de futuro da Não-monogamia Política é coletivo e emancipatório. Que possamos então construir relações saudáveis, que produzam autonomia e que sejam conscientes da fluidez da vida. Que possamos fechar e iniciar ciclos e valorizar nossos vínculos e, quando necessário, os ressignificar.

Referências: 

Nascimento, R.B., Araujo Filho, E.S., Cerqueira, G.L., Carneiro, D.G., & Carmo, E.S.S. 2021. Após o fim de um relacionamento amoroso: uma revisão narrativa. Pubsaúde, 7, a233. DOI: https://dx.doi.org/10.31533/pubsaude7.a233

TOLEDO, Maria Thereza. Uma discussão sobre o ideal de amor romântico na contemporaneidade: do Romantismo aos Padrões de Culturade Massas. Mídia e Cotidiano, Rio de Janeiro, n.2, p.201-218,

A trajetória do divórcio no Brasil: A consolidação do Estado Democrático de Direito (jusbrasil.com.br)

Divórcios extrajudiciais sobem 26,9% de janeiro a maio de 2021 e disparam na pandemia; SP lidera ranking nacional | São Paulo | G1 (globo.com)

Texto por: Newton Jr.
Revisão: Nana Miranda 

Como citar?

LIMA JR, N. S. Encontros e Despedidas. NM em Foco. 2021. Disponível em: https://naomonoemfoco.com.br/encontros-e-despedidas. Acesso em: dia, mês, ano.

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